Meio ambiente: interesses econômicos acima da vida
entrevista com Francisco Milanez, publicada na edição nº 387, junho de 2008.

Francisco Milanez
palestrante e educador ambiental da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN). milanez@orion.ufrgs.br (51)9982-0727
Mais do que nunca, hoje é preciso agir em todas as frentes para salvar o planeta e o futuro das próximas gerações.
As ações individuais são importantes, mas o colapso é tão grande que exige políticas que interfiram nos interesses dos grandes grupos econômicos, os maiores responsáveis pela destruição.
As ações individuais são importantes, mas o colapso é tão grande que exige políticas que interfiram nos interesses dos grandes grupos econômicos, os maiores responsáveis pela destruição.
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Qual é a importância das políticas ambientais no âmbito municipal, estadual, federal e mundial?
A questão ambiental é muito
mais direta e importante se a olharmos como política de desenvolvimento e
política econômica do que se a considerarmos como questão puramente
ambiental ou pessoal. O valor do equilíbrio ambiental e das espécies é
difícil de medir, porque é preciso acreditar que o equilíbrio do planeta
precisa daquela espécie. As pessoas não entendem e muitas vezes
referem-se a uma espécie como "uma praga".
O valor da preservação é importantíssimo, mas difícil de explicar. O
valor econômico e o do desenvolvimento é muito mais fácil de
compreender. O incrível é que isso não é valorizado. E falamos aqui em
planejamento e desenvolvimento de qualquer riqueza que se tenha. No
Japão, por exemplo (que não tem fonte de matérias-primas e que importa
quase tudo), a grande riqueza é educação, competência e cultura. É isso
que eles desenvolveram.
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Então, o meio ambiente tem também um valor econômico?
Exatamente. E um fator de
desenvolvimento insuperável é a água. Qualquer planejador sabe que, para
a nossa qualidade de vida, o componente mais importante é o saneamento e
o fator mais importante do saneamento é a água. A grande incidência de
doenças infecciosas se dá pela falta de tratamento da água e do esgoto. A
má qualidade da água que se bebe é responsável por 60% dos casos de
doença. E são gastos por ano milhões e milhões de reais tentando
resolver as doenças e não dão conta de resolver completamente. Portanto
para as pessoas a água é importante. Mas, para a agricultura, é muito
mais. Se a plantação for irrigada com água contaminada, o solo será
contaminado e não tem como descontaminar.
Também as indústrias procuram estabelecer-se em lugares com qualidade de
água. Vão poluir? Sim, mas querem água limpa na entrada, para não
corroer suas máquinas. A água e a qualidade do ar são fatores de
desenvolvimento. A indústria está mapeando lugares para se estabelecer.
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O que podemos dizer sobre os acordos ambientais internacionais, como Rio 92, Tratado de Kyoto etc.?
São importantes. Agora é
preciso relativizar o efeito deles... O que faz acontecerem as coisas em
favor da ecologia são as catástrofes e o fator econômico. A gente só
cuida da saúde depois que adoeceu. Não cuidamos da saúde para não
adoecer. Se adoeceu gravemente, vai cuidar mais. Assim é o ser humano,
assim funciona, infelizmente.
Na questão do clima, por exemplo, nós estamos entrando em colapso e já é
tarde. Ficam divulgando que são oscilações do clima e que acontecem a
cada 40 anos. Os países jogam de acordo com seus interesses econômicos,
mesmo que de forma suicida. Os Estados Unidos estão fazendo isso. Eles
negam o Tratado de Kyoto sobre o clima, porque, para estabilizar a
produção de CO2, seria o mesmo que parar o desenvolvimento. Porque o CO2
deles é a indústria. Com 6% da população mundial, os americanos
produzem 40% do C02 que está na atmosfera. E é o modelo econômico que
nós estamos seguindo. Se os outros 94% da população mundial fizessem o
mesmo, o mundo explodiria.
A China está acelerando barbaramente. Vamos aqui lembrar uma coisa às
vezes esquecida: a China comporta um quarto da humanidade. Com a
revolução comunista, os chineses passaram a plantar e sobreviver. O
território da China é grande, mas sua área agrícola é pequena,
levando-se em conta que tem um quarto da humanidade. Na agricultura,
eles conseguiram fazer um milagre: gasto zero de energia e poluição
zero, o que possibilitou o desenvolvimento. Aproveitam tudo, transformam
tudo, plantam arroz muda por muda e têm uma produtividade altíssima. Se
eles adotarem o modelo americano, definitivamente não haverá natureza
que possa suportar.
Os tratados pouco conseguem mudar efetivamente. A ONU, por exemplo, só
consegue impor o que interessa aos grandes. Por que a ONU não impõe a
todos os países os tratados fortes, que tratam do clima? E aí tratado
serve também para país desenvolvido impor níveis de competitividade. Se o
país já tem dinheiro para tratar os esgotos, por exemplo, faz um
tratado internacional que obriga os outros países a seguirem essa regra.
Se não seguirem, aplicam boicotes comerciais. Então, o tratado muitas
vezes vira jogo econômico.
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Quais sãos os maiores problemas político-ambientais no Brasil?
Houve uma reforma
constitucional na época do governo Fernando Henrique que aprovou a
mineração para empresas internacionais. O minério brasileiro era só
brasileiro e agora é de quem quiser. Inclusive um minério que se chama
água. Não tem explicação entregar um patrimônio nacional como a Vale do
Rio Doce. Significa entregar o subsolo brasileiro que era a única coisa
restante para proteger.
Na Amazônia, em relação ao desmatamento, há progressos muito
importantes. Mas a fiscalização é um grande desafio porque existe apenas
uma pessoa fiscalizando um milhão de quilômetros quadrados. É algo
inatingível. Mas, se as terras onde são feitas queimadas fossem
desapropriadas sem indenização, por exemplo, isto mudaria.
Uma outra coisa foi a liberação para transnacionais coreanas e
malasianas explorarem a Amazônia. Eles acabaram com a floresta tropical
na Malásia e na Coreia e vão fazer exploração sustentável aqui?
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Os transgênicos também são uma questão ecológica?
A pior de todas as coisas, em
relação à qual o governo Lula não fez o suficiente, é a questão dos
transgênicos. Já comprometeu a economia, porque nós passamos o grande
momento para a soja brasileira, que foi da época da introdução do
plantio da soja transgênica nos Estados Unidos e Argentina. A nossa soja
valia mais, por não ser transgênica. O Brasil tinha, com isto, mercado
garantido em outros países e com um alto preço. Foi um erro liberar o
transgênico. Até mesmo se ele fosse bom para a saúde e para o meio
ambiente. Tínhamos, pela primeira vez na história, vantagem sobre os
dois outros grandes produtores de soja e jogamos isto fora por não
termos reprimido o contrabando e o plantio criminoso de soja transgênica
no país, que ainda por cima foi legalizada no final. A transgenia é a
reconstrução da escravatura do terceiro mundo, é uma fábrica de
escravos. Sem falar no risco à saúde e ao meio ambiente, que não está
descartado.
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E as florestas?
Da Floresta Atlântica, que é a
mais importante do mundo, onde está a maior biodiversidade mundial,
restam apenas 5%. Da Floresta Amazônica ainda temos 90%. Só que tem um
detalhe: segundo a teoria de Eneas Salati, a Amazônia é um deserto
grande, comparado ao Saara. E toda a água dela é bombeada do Oceano por
um sistema absolutamente milagroso, que é o próprio ecossistema
amazônico. Nenhum outro sistema vivo seria capaz de fazer este milagre
que foi desenvolvido através de milhares de anos de co-evolução das
espécies. É como se a Amazônia fosse uma bomba de água. As principais
áreas de desmatamento amazônico estão no Maranhão e no Pará, exatamente
no litoral. Não tendo o ecossistema para devolver a água para o ar e
seguir o ciclo, a Amazônia inteirinha poderá entrar em colapso e virar
deserto. A origem da água da Amazônia é do Atlântico.
Ninguém sabe o quanto pode tirar da floresta sem provocar o colapso. A
gente pode tirar um braço, mas não pode tirar o coração, por exemplo,
que é bem menor do que um braço. E o lugar onde a Amazônia está sendo
desmatada é na pior área, é no coração. Já se constatam períodos de
seca, coisa que não acontecia. E a Amazônia regula o clima mundial
porque a água é o maior regulador de clima. Não existe nenhum lugar no
mundo que possa ser comparado com a quantidade de água que tem na
Amazônia. E não estou falando dos rios, e sim do ar, porque 75% da água
está no ar, e é o que regula o clima. A água, durante o dia, por estar
no Equador, recebe o máximo de insolação, absorve o máximo de calor.
Durante a noite cede calor para o meio e não deixa esfriar. A Amazônia
varia entre três ou quatro graus durante o ano. Existem plantas que, se a
temperatura variar cinco graus, podem não resistir. As plantas e os
animais são delicados por terem se desenvolvido neste clima estável.
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O peso econômico minimiza o peso dos acordos sobre o meio ambiente?
A sociedade produtiva, no
sentido empresarial, é tão caótica, tão desorganizada, tão autocentrada
em suas próprias atividades, que se não fossem as lutas da sociedade
civil, presente há 38 anos, já teria acabado a potencialidade econômica
do país. Não cuidamos nem da nossa própria potencialidade. Porque se a
gente vai ao mercado e compra algo mais baratinho vindo da China, por
causa da abertura do mercado, não nos damos conta de que quebra a
indústria nacional. Daqui a pouco não vai ter quem compre nada, porque
todos estarão desempregados. Há um equívoco sobre a abertura de mercado:
é um discurso que os países ricos fazem para os países pobres, mas eles
próprios não realizam. São discursos, no mínimo, desonestos.
As ONGs não têm muito poder, mas elas são a única coisa que temos para
defender o meio ambiente. Os governos são eleitos pela população e
gerenciados pela economia. Se não tiver ninguém pressionando, eles fazem
só o que a economia quer. De vez em quando eles atendem a população,
porque somos votantes, mas vamos lembrar que os votantes só votam a cada
quatro anos e os outros estão todos os dias lá com lobistas muito
competentes e usam argumentos muito convincentes.
Começar no município
Eu diria que o município que tem uma política ambiental clara, terá chance de desenvolvimento. Mas não basta só seguir a Lei Ambiental e manter uma Secretaria de Meio Ambiente. É preciso ter uma política que seja mais do que a política mínima, uma postura própria. Este desenvolvimento alicerçado no meio ambiente é um desenvolvimento que perdura.O que seria política própria? Não é só não poluir, tratar os efluentes: isso é pouco. Por exemplo, se priorizar a agricultura em alguma região, tem que determinar que esta região não pode ter indústria, nem que seja de ouro. A indústria poderá existir dentro da lei, dentro de um zoneamento.
O bom administrador de um município, entre outras atividades, vai reprimir as atividades poluentes para não espantar outras atividades. Uma indústria que polui pode acabar com toda a agricultura de um município. Se poluir o rio que bombeia a água, polui tudo: é uma interação óbvia. Falando economicamente, qualquer empresa de porte sabe que seu maior risco é o passivo ambiental. Temos aí o exemplo da Petrobrás, respondendo inúmeras causas. Não adianta ganhar muito dinheiro hoje, é preciso observar as questões legais em relação ao meio ambiente, porque a lei ambiental difere das outras: ela é a única que retroage e está constantemente sujeita a mudanças. Na lei ambiental não existe direito adquirido. Existe o passivo ambiental. Por exemplo, a questão das indenizações pagas por empresas de cigarro, no momento em que foi provado que utilizavam produtos que ampliam a capacidade da nicotina para criar dependência. Há exemplos de grandes empresas que receberam altas punições por causa disso.
Portanto é no município que a lei ambiental é concretizada de forma mais direta. E por isso nas eleições deste ano a questão ecológica deverá ser argumento forte dos projetos políticos e de opção de voto.
http://www.mundojovem.com.br/entrevistas/edicao-387-entrevista-meio-ambiente-interesses-economicos-acima-da-vida
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