O que é especulação imobiliária?
Campos Filho (2001, p. 48) define especulação imobiliária, em termos gerais, como
[...] uma forma pela qual os proprietários de terra
recebem uma renda transferida dos outros setores produtivos da economia,
especialmente através de investimentos públicos na infra-estrutura e
serviços urbanos[...].
A especulação imobiliária, portanto, caracteriza-se pela distribuição
coletiva dos custos de melhoria das localizações, ao mesmo tempo em que há uma apropriação
privada dos lucros provenientes dessas melhorias.
Terreno à espera de valorização em Campo Grande
MS. À esquerda é possível ver sua localização central (em amarelo estão
destacadas as duas principais avenidas da cidade). Fonte: google Earth
A forma básica da especulação
Mas o que isso quer dizer? Como é possível “melhorar” uma localização
se ela não pode ser mudada? Afinal de contas, um terreno é um bem
imóvel. Essas melhorias que acabam valorizando os terrenos podem dar-se
de muitas formas; as mais comuns referem-se à provisão de
infra-estrutura (água, esgoto, energia), serviços urbanos (creches,
escolas, grandes equipamentos urbanos) e às melhorias realizadas nas
condições de acessibilidade (abertura de vias, pavimentação, sistema de
transporte, etc.).
Esquema básico de funcionamento da especulação imobiliária. Elaboração: Renato Saboya.
Tais melhorias, quando realizadas no entorno de um terreno, acabam
agregando-lhe maior valor. Terrenos com boa infra-estrutura são mais
caros que terrenos sem nenhuma infra-estrutura. O mesmo vale para a
pavimentação das vias. Outro caso relativamente comum é o de terrenos
que não são muito bem localizados, até que uma nova avenida ou rua
importante é aberta, melhorando suas condições de acessibilidade. Seu
preço, por consequência, acaba aumentando quase que instantaneamente.
Outra forma de melhoria da localização acontece pelo simples
acréscimo de novas edificações no seu entorno, o que por si só torna sua
acessibilidade melhor em relação ao conjunto da cidade. Em outras
palavras, a ocupação por atividades (residenciais, comerciais, etc.) ao
redor de um terreno torna-o mais próximo – e portanto com maior
acessibilidade – a uma nova gama de possibilidades de interação com o
resto da cidade.Essa possibilidade de interação, por sua vez, é um
aspecto valorizado pelas pessoas no momento de escolher um determinado
local e, por isso, acaba também contribuindo para o aumento do preço do
solo.
Por que a especulação imobiliária é injusta?
Como vimos, o que se chama de “melhoria” de uma localização é o
processo através do qual a qualidade da localização de um terreno em
relação à disponibilidade de infra-estrutura e a outros terrenos (e
portanto a outras atividades e centros de interesse) é aumentada. Dessa
forma, os terrenos chamados “de engorda” ficam vazios, à espera de que o
desenvolvimento da cidade se encarregue de valorizá-los, sem que nenhum
investimento tenha sido feito pelo proprietário (a não ser, é claro, o
IPTU, que no entanto é irrisório comparado à valorização da terra). Todo
o investimento foi feito pelo Poder Publico, principalmente no caso das
infra-estruturas, e por outros proprietários privados.
Muitos contribuem para a valorização, mas poucos ficam com os lucros.
Para entender esse ponto de vista, é interessante fazer uma
comparação: imagine um empreendedor qualquer, que queira ter lucro
através da realização de uma determinada atividade. Para conseguir isso,
ele tem que investir uma certa quantia de capital e correr um risco,
proporcional à probabilidade de o negócio dar certo ou não. Os ganhos,
por sua vez, também serão proporcionais ao risco corrido. Ele presta um
serviço que, de uma maneira ou de outra, é útil à coletividade e, em
troca desse serviço prestado, recebe sua compensação financeira. Nesse
processo, ele gera empregos e movimenta a economia.
Por outro lado, o especulador imobiliário que investir a mesma
quantia de capital em um terreno ocioso não está contribuindo em nada
para a sociedade. Não gera empregos, não presta nenhum tipo de serviço, e
pior: ainda traz inúmeros prejuízos para a coletividade, conforme será
visto mais adiante. Ainda assim, por causa da valorização imobiliária
conseguida através de investimentos feitos por outros setores da
sociedade, alcança lucros muitas vezes bastante grandes.
A dispersão urbana e a especulação
Outra maneira de “melhorar” a localização de uma área é melhorar a
qualidade dessa localização em relação ao resto das áreas disponíveis no
mercado, através do acréscimo de novas áreas que sejam piores que elas.
Assim, às vezes o preço de um determinado terreno sobe sem que haja
nenhuma modificação no seu entorno. Isso acontece porque loteamentos são
criados nas piores localizações, normalmente na periferia, isolados do
tecido urbano e em condições precárias de infra-estrutura. Entretanto,
mesmo esses loteamentos têm que, no mínimo, cobrir seus gastos de
produção e conferir algum lucro ao empreendedor, definindo, portanto, os
menores preços do mercado de terras.
Especulação imobiliária decorrente da “periferização”. Elaboração: Renato Saboya.
Com isso, o “ranking” de localizações é rearranjado, pela introdução,
na sua base, de uma nova “pior” localização. As outras localizações,
por consequência, passam a ser mais valorizadas, por estarem agora mais
“distantes” da pior localização e mais próximas das áreas mais
interessantes da cidade, ao menos em comparação com essas novas áreas
que agora passaram a fazer parte do tecido urbano. Quando um terreno
deixa de ser uma das piores localizações, pela adição de novas piores
localizações, seu preço sobe automaticamente.
Na maioria das vezes, esse mecanismo está associado também à forma
mais básica da especulação imobiliária, uma vez que deve ser feita
provisão de infra-estrutura para atender a essas piores localizações, e
que essa infra-estrutura acaba passando pelos terrenos mais bem
localizados, valorizando-os ainda mais.
Os problemas urbanos gerados pela especulação imobiliária
Apesar de gerar lucro para alguns poucos investidores, a prática da
especulação imobiliária é extremamente prejudicial para as cidades. Por
causa dela, os tecidos urbanos tendem a ficar excessivamente rarefeitos
em alguns locais e densificados em outros, gerando custos financeiros e
sociais. A infra-estrutura, por exemplo, é sobrecarregada em algumas
áreas e subutilizada em outras, tornando-se, em ambos os casos, mais
cara em relação ao número de pessoas atendidas.
A especulação gera maiores distâncias a serem
percorridas, subutilização da infra-estrutura e aumento artificial do
preço da terra.
As dificuldades de deslocamento da população de mais baixa renda,
especialmente nas grandes cidades, também é, em grande parte, decorrente
dessa lógica especulativa, que aumenta as distâncias entre habitação e
empregos. A urbanização de “piores” localizações empurra a ocupação para
lugares cada vez mais distantes, e com isso as distâncias que os novos
moradores têm que percorrer acabam aumentando.
Outra possível consequência da retenção especulativa de imóveis é a
dificuldade de deslocamento gerada pela escassez de vias e de possíveis
caminhos para quem se desloca. Isso acontece quando os terrenos ociosos
são grandes, e impedem o surgimento de conexões entre áreas da cidade
pelo fato de não estarem parcelados. Todo o fluxo, portanto, precisa
desviar-se dessas glebas, causando estrangulamento em alguns pontos e
concentração excessiva de tráfego em algumas poucas ruas.
Possíveis soluções
Diante da constatação desse problemas advindos da especulação
imobiliária, alguns instrumentos urbanísticos vêm sendo utilizados para
tentar coibi-la, com destaque especial para aqueles regulamentados pelo
Estatuto da Cidade.
O IPTU progressivo no tempo, por exemplo, permite ao poder público
sobretaxar aqueles imóveis que não estiverem cumprindo sua função
social, isto é, que estiverem sendo subaproveitados em áreas que possuam
infra-estrutura.
A
outorga onerosa do direito de construir
busca recuperar parte dos investimentos do poder público em
infra-estrutura decorrentes do aumento de densidade acarretado por
aquelas edificações cuja área ultrapasse a área do terreno (coeficiente
1).
A contribuição de melhoria permite que o poder público cobre dos
proprietários beneficiados por obras de melhoria urbana o valor do
investimento.
Entretanto, a aplicação de tais instrumentos nem sempre são
implementadas, mesmo com a nova leva de planos diretores participativos,
principalmente por causa de hábitos e crenças há muito tempo arraigados
na cultura do brasileiro. Como explicar a alguém que sempre viu seus
pais e avós segurando a venda de terras para esperar os melhores preços
que agora ele não poderá mais fazer isso, sob pena de pagar mais
impostos? Tarefa difícil, mas que deve ser levada a cabo paulatina e
constantemente, para que seja possível modificar essa mentalidade e
criar cidades mais justas para todos.
Referências bibliográficas
CAMPOS FILHO, Candido Malta.
Cidades brasileiras: seu controle ou o caos. 4 ed. São Paulo: Studio Nobel, 2001.
http://urbanidades.arq.br/2008/09/o-que-e-especulacao-imobiliaria/