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segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

A arte da manipulação estatística



A arte da manipulação estatística

Domingo, 22 de Dezembro de 2013
por Acabra .Net
Em 2013 assinala-se o Ano Internacional da Estatística. Apesar de ser pouco comum em Portugal, a manipulação de dados estatísticos existe e pode levar a uma deturpação da realidade. De forma a garantir a sua proteção, a sociedade deve informar-se sobre a origem dos estudos. Por Maria Eduarda Eloy e João Martins
Em 2012, Portugal tinha 10.514.800 habitantes, dos quais 15,7 por cento estavam desempregados. No universo da educação, havia 390.273 alunos matriculados no Ensino Superior. Já na área da saúde, no mesmo ano, estavam identificados e diagnosticados 247 casos de SIDA. Toda esta informação provém de estatísticas, definidas como a ciência da interpretação de dados.
As pessoas são bombardeadas com regularidade, nos media, por dados estatísticos. Quer seja o número de divórcios por cada 100 casamentos, os resultados de sondagens para eleições legislativas, ou a despesa pública com saúde, por exemplo, é difícil escapar no quotidiano a conteúdos que não estejam, de alguma forma, associados a estatística.
Para assinalar a importância desta ciência, em 2013 está a decorrer o Ano Internacional da Estatística. Agora a chegar ao fim, foi um período marcado pela organização de diversos eventos à escala mundial, com o intuito de reflexão sobre esta área de conhecimento. Em algumas das palestras, conferências e colóquios foram discutidos desafios da estatística e a sua relação com diversos contextos, como por exemplo, o mediático.
Grande parte da informação estatística que é veiculada para a sociedade é transmitida através dos meios de comunicação. Nesse sentido, o docente da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC) e antigo diretor das Contas Nacionais no Instituto Nacional de Estatística (INE), Pedro Ramos, defende que “a comunicação social deve ser mais conhecedora dos dados que apresenta”, e “ter especialistas dentro dos seus corpos redatoriais”, para “não se limitar a reproduzir números, que às vezes parecem ser uma coisa e são outra”. Esta posição é justificada pela preocupação do docente em manter uma leitura fidedigna dos dados estatísticos. Da mesma opinião é o antropólogo, Fernando Florêncio. O também docente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UC (FCTUC), afirma que, caso a interpretação dos dados estatísticos seja incorreta, há um “grande risco para a população” que “é a desinformação”.
Falsas estatísticas e manipulação da realidade
Fernando Florêncio adianta que, quando há manipulação de estatísticas, que chegam à sociedade sem filtro, “a consequência mais grave é o deformar da realidade e as pessoas acabarem por ter uma perceção que não corresponde exatamente ao que se está a passar”. Podem mesmo “formar opiniões e tomar até decisões de caráter individual ou, mesmo, coletivo baseadas em supostas visões e representações da realidade que estão altamente manipuladas”, acrescenta.
De forma acidental ou propositada, a manipulação estatística pode assumir várias formas. Por exemplo, a utilização de uma amostra pouco representativa da população em estudo ou erros de cálculo da margem de erro impedem que haja fiabilidade no estudo. Também, ocultar dados desfavoráveis ou interpretar de forma errada os resultados são exemplos de manipulação estatística. Pedro Ramos exemplifica, através da analogia do governo e da oposição, que por vezes “uma escolha judiciosa de estatísticas leva a transmitir um excesso de otimismo ou um excesso de pessimismo”. O economista não se refere ao governo e oposição atuais, em particular, e explica que “em geral os governos tendem a sobrevalorizar as mensagens otimistas e as oposições tendem a sobrevalorizar mensagens pessimistas”. “Ambas até podem ter algum fundamento estatístico” mas “são uma leitura parcial da realidade”, complementa.
Fernando Florêncio destaca algumas sondagens, como um exemplo de ambiguidade de resultados. “Toda e qualquer ciência baseada em números é passível de ser manipulada: depende do modo como se define o universo a analisar e depois, dependendo do tipo de teste utilizado, a inferência sai diferente”, salienta.
A ciência do erro calculado
Pedro Ramos define a estatística como “a arte de lidar com o erro”, uma vez que todos os estudos têm uma margem de erro definida através de fórmulas matemáticas específicas, que permite aos investigadores “controlar o erro”, quantificá-lo sempre que possível, e ter a certeza que é “pequeno”. A existência do erro, não implica, portanto, que a estatística esteja mal construída ou seja manipulada.
O professor da FEUC vinca que, em Portugal, a manipulação estatística é rara, principalmente nos dados oficiais, dado que são “geralmente conferidos por organizações internacionais”. Ressalva, contudo, que nas estatísticas privadas, a fiabilidade não é garantida.
Fernando Florêncio alerta, a propósito da manipulação deliberada de estudos, que “ainda existe em Portugal muito a noção de que usando a “ciência”, está-se a dizer verdade; o leitor comum se lê uma estatística no jornal, ou se a ouve na televisão, toma-a como verdadeira”.
O economista salienta que nas situações em que há desinformação, “o que é importante é as pessoas estarem bem informadas”, sobre a origem e contexto dos estudos, porque assim “conseguem detetar o que são e o que não são estatísticas, e onde é que há tentativa de manipular a interpretação dos dados”.
Até à data de fecho da edição não foi possível obter declarações do INE, da Sociedade Portuguesa de Estatística e do sociólogo, investigador e diretor do Centro de Estudos Sociais da UC, Boaventura de Sousa Santos.

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