ONGs criticam falta de diálogo nas remoções de comunidades pobres em função das obras para a Copa Mundo
26/04/2011 - 19h51
Alana Gandra
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro - As denúncias de deslocamentos forçados de
comunidades envolvendo as obras para a Copa de 2014 no Brasil levaram a Relatoria Especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Moradia Adequada a divulgar boletim hoje (26), em Genebra,
manifestando preocupação com a falta de diálogo do governo, em seus
diferentes níveis, com a sociedade, no trato do problema. A Agência Brasil conversou
sobre o assunto com integrantes de movimentos representativos da
sociedade civil em algumas das cidades-sede da Copa do Mundo.
Em Belo Horizonte (MG), Joviano Mayer, das Brigadas Populares e do
Comitê Popular da Copa, disse que “já há ações do poder público e da
iniciativa privada que têm refletido violação dos direitos de populações
pobres”. Citou, como exemplo, a construção de um viaduto na Avenida
Antonio Carlos. No local, 60 famílias da comunidade Recanto FMG serão
removidas.
Segundo Joviano Mayer, os valores indenizatórios são “abaixo do
suficiente para as famílias poderem adquirir uma moradia adequada perto
de onde atualmente vivem”. Do mesmo modo, os apartamentos oferecidos
pela prefeitura para reassentamento de algumas famílias não oferecem
condição de habitabilidade. “São famílias numerosas, com muitos filhos, e
os apartamentos são pequenos, de 42 metros quadrados. Fora a quebra de
vínculos de solidariedade da comunidade”, denunciou.
Ainda em Belo Horizonte, o Comitê Popular da Copa denunciou o processo
de demarcação no entorno do Anel Rodoviário para remoção de famílias.
“Além disso, há violações de direitos de outros setores, como os
flanelinhas, que estão sendo perseguidos e presos”. O mesmo ocorre,
disse Mayer, em relação aos grafiteiros, enquadrados por formação de
quadrilha. “Várias ações repressivas sobre setores vulneráveis, seja de
comunidades de periferia, seja de trabalhadores informais, como os
feirantes de Belo Horizonte, que estão ameaçados de perder o seu local
de trabalho”.
Mayer enfatizou que muitas comunidades ameaçadas de despejo não têm
tido êxito na abertura de diálogo e da negociação com o Poder Público, o
que foi acompanhado em algumas ocasiões pela própria relatora especial
da ONU para a Moradia Adequada, Raquel Rolnik.
Em Fortaleza, capital do Ceará, Lizandra Serafim, da organização não
governamental (ONG) Cearah Periferia, disse que estão acontecendo
marcações de casas para remoções, principalmente de comunidades nos
trilhos, pequenas favelas que cresceram ao longo da linha férrea e por
onde vão passar veículos leves sobre trilhos (VLT). As entidades que
integram o Comitê Popular da Copa têm feito um trabalho de
conscientização dessas comunidades, afirmou Lizandra.
“O impacto é muito nefasto para essas comunidades. Há uma valorização
muito grande de algumas regiões da cidade. E o capital imobiliário está
super de olho e os preços já estão aumentando muito. Está tendo muita
violência”, inclusive, perseguições políticas.
Um dos casos envolveu os funcionários do Escritório Frei Tito de
Direitos Humanos, vinculado à Assembleia Legislativa do Ceará, que
apoiava o Comitê Popular da Copa na divulgação de informações e oferecia
subsídios em termos jurídicos. “Eles foram todos exonerados dos cargos
há um mês. O panorama é esse”, disse.
Dulce Bentes, do Laboratório de Habitação da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, assegurou que, ao contrário do que vem sendo
noticiado na mídia, não existem mais conflitos relativos aos
preparativos para a Copa do Mundo em Natal. No município de São Gonçalo
do Amarante, onde deverá ser construído o novo aeroporto internacional,
uma audiência pública discutiu os riscos da obra com a comunidade. O
projeto foi aprovado pelo Ministério das Cidades.
“Não tem registro de problemas com remoções de pessoas”, garantiu Dulce
Bentes. O município comprou duas áreas para realocação da comunidade de
São Gonçalo do Amarante. Segundo ela, tudo foi feito com base em um
antigo projeto que estava em curso e foi estimulado pela Copa de 2014.
As principais queixas do processo de preparação para a Copa em Recife
(PE) estão relacionadas ao processo de transparência pública, disse
Evanildo Barbosa, diretor da ONG Fase e do Programa Nacional de Direito à
Cidade. “Ou seja, a dificuldade que nós temos tido é de estabelecer um
diálogo mais permanente, mais aberto, com os organismos do governo
estadual e dos governos municipais do Recife e de São Lourenço da Mata,
onde a arena [estádio de futebol] será construída, para discutir com
eles o processo de estruturação desse conjunto de obras que vão impactar
o território urbano metropolitano”.
As obras de mobilidade urbana e seu planejamento, incluindo abertura de
vias, construção de viadutos, exigem diálogo com a sociedade para que
haja o controle social, segundo Barbosa, levando em conta os impactos
sobre o meio ambiente.
No Rio de Janeiro, Marcelo Edmundo, da Central de Movimentos Populares,
denunciou que as remoções estão sendo feitas arbitrariamente, “sem
levar em consideração um direito fundamental que está na Constituição,
que é o direito à moradia”.
Ele afirmou que comunidades que estão no local há cerca de 30 ou 40
anos estão sendo removidas, em nome das Olimpíadas e da Copa, “sem
nenhum tipo de compensação efetiva e sem demonstrar mesmo a necessidade
da remoção. A gente acredita que o Rio de Janeiro poderia dar um exemplo
ao mundo em promover a Copa e as Olimpíadas sem despejos, ao contrário
das cidades que sediaram os últimos Jogos”.
De acordo com Marcelo Edmundo, o que está por trás das remoções é o
interesse especulativo imobiliário, de valorização da terra. Deu como
exemplo a comunidade Vila Autódromo, em Jacarepaguá, ameaçada de despejo
há muito tempo. “Não há a mínima necessidade de remoção. É só
urbanizar, colocar saneamento, esgoto, melhorar a qualidade das casas”.
Afirmou ainda que ao mesmo tempo em que a prefeitura alega problemas
ambientais para remover as famílias da Vila Autódromo, permite que ali
próximo seja aterrada parte de um manguezal para fazer o Rock In Rio,
evento musical . “É um pensamento, infelizmente, que vê o mais pobre
como uma parte pouco importante na cidade”.
Em Curitiba (PR), Juliana Leite, do Observatório de Políticas Públicas e
do Observatório das Metrópoles, falou da realocação de 300 famílias que
vivem próximo do aeroporto. “Essa é a questão que está nos preocupando
mais. E não se sabe ainda como isso vai ser feito”. O orçamento previsto
para fazer a realocação é de R$ 80 milhões mas, segundo ela, “o estado
afirma que só tem R$ 10 milhões”. A preocupação é saber como essas
famílias vão ser indenizadas e como elas serão informadas de todo o
processo.
A estimativa feita pela ONG Cidade, de Porto Alegre (RS), é que mais de
9 mil famílias vão ser reassentadas em função da Copa na capital
gaúcha. O principal ponto, disse Sergio Baierle, da organização não
governamental, é que “todas as obras programadas só atingem a população
pobre. Não tem nenhuma [obra] precisando remover ninguém de bairro de
classe média. Então, parece uma coisa planejada”.
Ele lembrou que a maior parte das comunidades pobres de Porto Alegre já
acumulou várias conquistas ao longo de sua história, entre as quais a
proximidade da escola, da creche comunitária, do posto de saúde,
transporte público, além da infraestrutura das casas, englobando
saneamento e rede de esgoto.
O reassentamento poderá acarretar problemas, uma vez que em áreas mais
distantes os serviços já estão congestionados, disse Baierle.
Acrescentou que muitas famílias ainda não sabem se vão ser atingidas.
Nas obras de expansão do aeroporto, por exemplo, elas, ou ficam no
aluguel social ou vão para habitações provisórias, chamadas de casas de
passagem. Segundo Sergio Baierle, essas habitações têm 4 metros
quadrados e, muitas vezes, abrigam até sete pessoas. “É uma situação
inaceitável”.
As obras de grande envergadura, como o Rodoanel, são os principais
problemas trazidos pela Copa em São Paulo (SP), apontou Benedito
Barbosa, da União dos Movimentos de Moradia e Central de Movimentos
Populares.
Ele esclareceu que os grandes empreendimentos urbanos, como Águas
Espraiadas e Águas Bravas, e as obras de alagamento da marginal do Rio
Tietê, já despejaram muita gente. O mesmo ocorreu em relação à remoção
das favelas. “A prefeitura alega que é área de risco, mas a gente acha
que é por causa da Copa, porque é um processo muito grande de limpeza
social da cidade. São muitas remoções”.
As ONGs estimam que na capital paulista pelo menos 200 mil famílias vão
ser removidas. “Entendeu o tamanho do problema?”, perguntou Barbosa. As
entidades alegam que vários projetos ambientais, como a implantação de
parques lineares e megaparques, têm provocado impactos sobre a moradia.
Em torno de 48 favelas estão ameaçadas de despejo em função de obras
feitas somente na região da Represa Billings.
De acordo com a ONU, a promoção de eventos esportivos da magnitude de
uma Copa do Mundo de Futebol ou dos Jogos Olímpicos, oferece
oportunidades para a reorganização do espaço urbano. Adverte, contudo,
que nem sempre os investimentos bilionários que são apresentados
resultam em cidades mais justas e com moradia adequada para as
populações. De acordo com a ONU, esses eventos constituem oportunidades
valiosas para que os governos aumentem o acesso à moradia para as
parcelas mais pobres da população, ampliando da mesma maneira o acesso à
saúde, à qualidade de vida e ao lazer.
Edição: Aécio Amado
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