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Entrevista:
Edward Wilson Salvem
o planeta
O biólogo americano
diz que a situação é tão grave que ciência
e religião deveriam se unir na defesa da biodiversidade
Diogo
Schelp
Kris Snibble/Haward News Office
| "Religiosos
e cientistas deveriam deixar de lado as diferenças. Para ambos, a natureza
é sagrada, pois dela depende a criação humana" |
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Autor de um celebrado
estudo sobre a fartura de seres vivos no planeta, chamado Diversidade da Vida,
o biólogo americano Edward Wilson foi um dos pioneiros a alertar sobre
a extinção em massa de espécies causada pela atividade humana
no século XX. Em sua mais recente empreitada – cujo resultado está
no livro A Criação, a ser publicado em setembro nos Estados
Unidos –, ele analisou as relações entre religião e
ciência e propôs uma solução para o confronto ideológico
nesse campo. "Religiosos e cientistas deveriam ter um objetivo comum: defender
a natureza, porque dela depende a criação humana", diz Wilson. Fundador
da sociobiologia, ciência que estuda as bases genéticas do comportamento
social dos animais, inclusive o ser humano, ele ganhou duas vezes o Prêmio
Pulitzer – por Formigas, inseto do qual é o maior especialista
mundial, e Sobre a Natureza Humana, em que estuda o modo como a evolução
se reflete na agressividade, na sexualidade e na ética humana. Aos 76 anos,
aposentado mas em plena atividade como professor e escritor, Wilson concedeu a
seguinte entrevista de seu escritório na Universidade Harvard, nos Estados
Unidos.
Veja –
Mais de 80% da população dos Estados Unidos não acredita
na teoria da evolução. Trata-se de um fenômeno tipicamente
americano?Wilson – Para 51% dos americanos, a espécie
humana foi criada por uma força superior alguns milhares de anos atrás.
Outros 34% acreditam que houve uma evolução guiada por Deus. Os
15% restantes dizem que os cientistas estão corretos. Esses números
são extraordinários porque representam exatamente o oposto do que
pensam os europeus. Na Europa, 40% da população dá razão
à tese de que as espécies evoluíram pela seleção
natural. Apenas uma minoria concorda com os criacionistas, que descartam a teoria
da evolução.
Veja
– O que explica o vigor do criacionismo, a ponto de estar em cogitação
ensiná-lo nas escolas americanas, em oposição à teoria
da evolução das espécies?Wilson – Algumas
organizações religiosas estão conseguindo introduzir no governo
americano a tese do design inteligente. Isto é, que foi Deus quem guiou
a evolução. Ajuda o fato de termos um presidente, George W. Bush,
que acredita que Deus fala com ele quando toma certas decisões ou vai à
guerra. Isso fortalece as crenças fundamentalistas mais radicais da população.
Para completar, após os atentados de 11 de setembro, a população
americana, sentindo-se vulnerável, agarrou-se à idéia de
que o país precisa se voltar mais para a religião. Em meu próximo
livro, A Criação, faço um apelo às pessoas
religiosas. Peço que deixem de lado suas diferenças com as pessoas
seculares e os cientistas materialistas, como eu, e se juntem a nós para
salvar o planeta. A ciência e a religião são as duas forças
mais poderosas do mundo. Para ambas, a natureza é sagrada.
Veja – O senhor sustenta existir uma relação
direta entre a seleção natural e o sentimento religioso. Qual é?
Wilson – A religião está sempre dizendo às pessoas
que sobrevivam, e esse é um princípio básico da seleção
natural. A religião estimula a mente humana a transpor as dificuldades,
a juntar-se a outros indivíduos e a se comportar de maneira altruísta
em favor do grupo. O objetivo é a sobrevivência do grupo. Isso explica
por que as religiões são tão tribalistas.
Veja – Qual é o erro da teoria do design
inteligente, a idéia de que a complexidade dos organismos vivos é
a melhor prova da existência de um projetista divino?Wilson –
O único argumento dos defensores do design inteligente é que a ciência
não consegue explicar todos os detalhes da evolução e dos
fenômenos naturais. Para eles, isso é o suficiente para justificar
a crença numa força sobrenatural por trás do inexplicável.
Obviamente, não se trata de um argumento científico. A motivação
dos cientistas é justamente a de descobrir a verdade sobre o que ainda
não se consegue explicar. Ao adotar a crença de que a evolução
é uma invenção de Deus, a religião coloca em risco
sua credibilidade e prestígio. Se os defensores do design inteligente tivessem
evidências da existência de forças sobrenaturais nos processos
físicos e biológicos, os cientistas seriam os primeiros a estudar
esses fenômenos.
Veja
– É possível aceitar a teoria da evolução
e, ao mesmo tempo, ser religioso?Wilson – Sim, claro. Eu próprio
me considero um espiritualista. Acredito na grande força do espírito
humano. Mas não creio em vida após a morte ou em uma alma separada
do corpo e da mente. A criatividade, a estética, o sentimento de totalidade
e o amor são essencialmente parte do funcionamento da mente. Sabemos que
o cérebro se comporta de maneira diferente quando ocorrem mudanças
químicas no organismo ou quando nos machucamos. Isso sugere que a essência
humana depende de um sistema celular complexo. Não há incoerência
alguma em acreditar que os sentimentos têm uma base física e, ao
mesmo tempo, ter uma visão espiritual da mente humana.
Veja – O senhor não se sentiria reconfortado
se soubesse que existe vida após a morte?Wilson – Pense
no que significaria passar o resto da eternidade no céu. Não fomos
feitos para isso. A mente humana foi construída para durar por um tempo
limitado. Ultrapassar esse limite seria obrigar o indivíduo a uma existência
infernal. Uma pesquisa com a elite científica dos Estados Unidos mostrou
que 85% dos pesquisadores não se importam se existe ou não vida
após a morte. Eu não me importo.
Veja – O senhor afirmou certa vez que se considera
um deísta provisório. O que quer dizer com isso?Wilson
– Primeiro é preciso definir teísmo e deísmo. O
teísmo é a crença de que Deus intervém nos assuntos
humanos. Deus seria capaz de fazer milagres e está diretamente ligado ao
discurso humano. Já o deísta é aquele que aceita a possibilidade
de existir uma força superior que estabeleceu as leis responsáveis
pela criação do universo. O deísta, no entanto, não
acredita que Deus esteja envolvido nos assuntos diários dos seres humanos.
Enquanto não soubermos dar uma melhor explicação para o início
do universo, considero-me um deísta provisório. A ciência
está avançando rapidamente. Quem sabe em breve os físicos
já possam explicar de onde viemos.
Veja
– Muitos críticos dizem que a ciência é uma espécie
de religião e que a teoria da evolução exige devoção.
O senhor concorda?Wilson – Não. Existe uma grande diferença.
A religião exige fé, uma fé sem questionamentos. A ciência
não tem nada parecido com isso. Baseia-se em um conjunto de conhecimentos
acumulados e tem uma trajetória de agregar mais e mais informações
que explicam o mundo. É um processo de busca, de exploração
e descoberta. Totalmente diferente de religião.
Veja – O senhor vê progresso na evolução?Wilson
– Sim, porque em bilhões de anos a evolução tem
produzido espécies cada vez mais complexas, um maior número de organismos
e ecossistemas mais sofisticados. Se tomarmos exemplos isolados, no entanto, veremos
que nem sempre a evolução significa progresso. Afinal, ela é
fruto de mutações e mudanças genéticas aleatórias.
Há casos de parasitas que perderam os olhos e de animais que perderam os
pés. Se complexidade é progresso, então essas espécies
regrediram.
Veja – O
fato de o ser humano ter evoluído a ponto de controlar a natureza como
nenhum outro animal nos dá o direito de fazer o que quisermos com as outras
espécies?Wilson – A espécie humana sem dúvida
é a mais sagrada do planeta. Afinal, é a mais inteligente e a única
civilizada. Nos estágios iniciais da nossa evolução, quando
os seres humanos viviam da caça e em bandos, o objetivo era derrotar a
natureza, porque isso era uma questão de sobrevivência. Hoje, derrotar
a natureza significa destruir parte do que resta de vida na Terra. Temos de saber
quando parar. Estamos arruinando a natureza só para abrir um pouco de espaço
para mais seres humanos. Isso não é progresso, nem sob o aspecto
moral, nem como opção para garantir o futuro da humanidade. Nós
precisamos da natureza para garantir a produtividade na biosfera. A espécie
humana foi bem-sucedida demais.
Veja
– Um estudo da ONU estimou que em 2050 a população da
Terra atingirá o pico de 9 bilhões de pessoas, para então
estabilizar. Como podemos melhorar a situação econômica de
tanta gente e, ao mesmo tempo, impedir a destruição da natureza?Wilson
– A maioria dos especialistas acredita que os recursos existentes na
Terra suportariam essa superpopulação sem destruir a natureza. É
preciso aumentar a produtividade da terra, e, para isso, temos de utilizar sementes
geneticamente modificadas. A espécie humana depende de apenas vinte tipos
de planta para se alimentar. Arroz, milho e trigo são as principais. Existem,
no entanto, mais de 50.000 plantas cultiváveis. Muitas delas podem se tornar
viáveis economicamente com a modificação genética.
Se soubermos preservar o que restou da natureza e torná-la mais produtiva,
conseguiremos alimentar os 9 bilhões de pessoas previstos para 2050.
Veja – Por que existe
resistência tão grande aos alimentos geneticamente modificados?Wilson
– O primeiro medo é o de que existam riscos ambientais no uso
de transgênicos. Há quem tema, por exemplo, que possam dar origem
a superbactérias, resistentes a qualquer tipo de remédio. Essa é
uma visão hollywoodiana. Não existem evidências de que isso
possa ocorrer. Já há as superbactérias, mas elas são
naturais. Em geral são espécies de outros países ou continentes
trazidas sem querer em navios ou aviões. Em ambientes sem a competição
de outras espécies, essas bactérias se espalham e acabam se tornando
pestes sérias. O segundo temor é o de que os alimentos transgênicos
possam ser prejudiciais à saúde humana. Até agora também
não há evidências disso, apesar dos inúmeros estudos.
Nos Estados Unidos, 40% dos alimentos consumidos pela população
são geneticamente modificados. Há quem diga que isso não
é natural. Bobagem. Na prática, temos feito isso há 10.000
anos. Desde que a agricultura foi inventada, criamos plantas e animais modificando
sua genética e escolhendo as melhores espécies. Isso não
é diferente de introduzir novos genes diretamente em uma espécie.
Não é o gene que interessa, e sim se o produto criado com ele é
bom.
Veja – Por que
é tão urgente preservar a biodiversidade do planeta?Wilson
– Um cálculo feito em 1997 por biólogos e economistas mostrou
que as espécies de todos os ecossistemas contribuíram com 30 trilhões
de dólares em "serviços", como limpeza e retenção
de água, regeneração de solo e limpeza da atmosfera. Esse
valor era, naquele momento, próximo ao de toda a produção
humana. Dependemos da biodiversidade mais do que imaginamos. Outro aspecto é
que estamos começando a compreender como as espécies que surgiram
1 milhão de anos atrás foram extintas e substituídas por
outras. Isso é importante para entendermos a origem da vida. Precisamos
desse conhecimento. Os cientistas identificaram apenas 10% das espécies
e organismos existentes no planeta. Conhecer os 90% restantes tem um valor inestimável.
Veja – Alguns
cientistas dizem que a espécie humana está vivendo uma evolução
acelerada. A tese é a de que a humanidade está começando
a decidir sobre sua própria evolução. O senhor concorda?Wilson
– Sim, em meu livro dei a esse fenômeno o nome de evolução
voluntária. Estamos próximos de atingir um estágio de desenvolvimento
em que poderemos escolher o caminho da nossa evolução. Em breve
poderemos eliminar totalmente doenças genéticas, como fibroses,
simplesmente substituindo os genes defeituosos. Essa é uma forma de conduzir
a evolução. A questão é se deveria ser permitido usar
a engenharia genética para melhorar indivíduos humanos. Em alguns
anos, os pais poderão escolher se o filho será um bom atleta ou
um bom músico. Devemos permitir isso? Trata-se de uma questão ética
que ainda não foi analisada em profundidade. Simplesmente porque ainda
não estamos enfrentando os problemas relacionados a essas possibilidades
tecnológicas. Em algum momento, a humanidade deverá decidir sobre
isso, e aí teremos a evolução voluntária. Precisaremos
ser muito cuidadosos ao mudar a natureza, pois é ela que nos faz humanos.
Veja – Qual o limite?Wilson
– Não sei, está fora do meu alcance. Precisamos de mais
conhecimentos sobre genética, saber melhor o que somos, qual é a
natureza humana e quais as conseqüências dessas mudanças na
organização da nossa sociedade atual. É uma grande pergunta.
Nós mal conseguimos entender a nós mesmos nas condições
atuais. Tentar entender como seríamos se nos alterássemos geneticamente
é um passo gigantesco.
Veja
– Em sua opinião, é eticamente aceitável tentar
encontrar uma explicação genética para o comportamento homossexual?Wilson
– Sim. Quanto mais soubermos, quanto mais verdades tivermos, mais teremos
capacidade de resolver questões que mobilizam a sociedade. Já existem
algumas evidências de que a homossexualidade acontece por um componente
genético hereditário. Parte da variação da preferência
sexual deve-se aos genes. Se soubermos o que está envolvido nisso, poderemos
tomar decisões racionais e morais sobre o assunto. Se a ciência provar
que a homossexualidade tem uma base genética e que o gene está bem
distribuído pela população, os gays vão poder dizer:
"A evolução natural nos fez assim, e, por isso, não há
nada de errado no que fazemos e no tipo de vida que levamos". Esse é um
ótimo argumento. Por outro lado, se descobrirmos que a homossexualidade
não tem nenhuma origem genética, ganhará força a tese
de que esse comportamento sexual tem como causa um trauma ocorrido na infância.
Os defensores dessa tese terão argumentos para querer curar ou corrigir
os homossexuais. Até descobrirmos a verdade sobre isso, essa discussão
vai continuar indefinidamente. Por isso, quanto mais soubermos, mais livres seremos.
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