Brasil enfrenta pressões internacionais por causa da Amazônia
Helicópteros do 61º Batalhão de Infantaria de Selva, em Cruzeiro do Sul (AC):
soberania nacional sob permanente escrutínio
(Foto: Élio Sales/Ministério da Defesa)
Não é de hoje que os 2.014.283 quilômetros
quadrados de Amazônia brasileira são objeto do desejo de alguns dos mais
influentes atores no mapa geopolítico. Ali estão um quinto da água doce
do planeta e o maior banco genético (15% de todas as espécies de
plantas e animais conhecidas), além de enorme potencial econômico. Um
exemplo: multiplicando o valor de cada minério pelos estoques já medidos
no subsolo da Amazônia, excluído o petróleo, tem-se como resultado a
impressionante quantia de US$ 7,2 trilhões. Esses fatos foram
explicitamente lembrados pela maioria dos debatedores sobre o tema
defesa nacional na CRE.
“É verdade que há um interesse internacional, o
Brasil desperta cobiça. A floresta amazônica desperta cobiça por sua
biodiversidade. Temos de estar preparados para defender qualquer tipo de
olho gordo em cima dessas nossas riquezas”, advertiu, sem meias
palavras, o presidente da CRE, senador Fernando Collor.
A própria Estratégia de Defesa Nacional deixa
clara a postura do país em relação à questão: “Quem cuida da Amazônia
brasileira, a serviço da Humanidade e de si mesmo, é o Brasil”.
Colabora para o inquietamento em relação à
segurança da região o fato de que há extensões de fronteira, ao longo
das Guianas, onde por centenas de quilômetros não se registra a presença
de qualquer representante do Estado brasileiro, militar ou civil. São
áreas de reservas indígenas, por exemplo, onde a atuação de organizações
não governamentais com vínculos no exterior causam, para dizer o
mínimo, forte preocupação dentro e fora do governo.
Collor não vê como apenas nociva essa presença.
“A influência que vem de fora é em parte boa e sincera e, de outra
parte, não tão sincera. Embora possa vir com uma capa bonita, por dentro
trata-se de tirar algum tipo de proveito. Cabe a nós sabermos o que vai
ser bom e o que não vai ser bom”, avaliou o senador.
Discurso ameaçador
São muitos os exemplos, ao longo das décadas, de
movimentos e declarações feitas por alguns dos mais importantes líderes
mundiais acerca do “interesse internacional” pela Amazônia. O professor
Marcos Coimbra, ex-docente de Economia na Universidade Cândido Mendes e
na UERJ e membro da Academia Brasileira de Defesa, pesquisou os
antecedentes da cobiça internacional sobre a região e vem, há anos,
alertando para a ameaça. “Em 1850, os EUA já pregavam a ocupação
internacional da região”, garante. “Em 1992, a chamada Eco-92,
realizada no Rio de Janeiro, avançou o processo”, descreveu o professor,
em artigo sobre a questão.
Em geral, adverte o estudioso, a carta indígena
ou ambiental é lançada sobre a mesa para reivindicar controle
“supranacional” sobre uma região que equivale a um quarto do território
nacional. O Conselho Mundial de Igrejas, com sede em Genebra, em seu
documento Diretrizes para a Amazônia (1981), prescreve a internacionalização da área.
“A Amazônia total, cuja maior área fica no
Brasil, mas que compreende também parte dos territórios venezuelano,
colombiano e peruano, é considerada por nós como patrimônio da
Humanidade. A posse dessa imensa área pelos países mencionados é
meramente circunstancial”, apregoa o documento.
Coimbra coleciona frases que servem para
amplificar o temor dos que identificam uma conspiração internacional em
curso. De Madeleine Albright, primeira mulher a ocupar o cargo de
secretária de Estado dos EUA (1997–2001): “Quando o meio ambiente está
em perigo, não existem fronteiras”. Do ex-presidente francês François
Mitterrand: “Alguns países deveriam abrir mão de sua soberania em
favor dos interesses globais”. Ou do ex-presidente russo Mikhail
Gorbachev: “O Brasil deve delegar parte de seus direitos sobre a
Amazônia aos organismos internacionais”. Ou, por fim, do
ex-vice-presidente dos EUA Al Gore, Prêmio Nobel da Paz: “Ao contrário
do que os brasileiros pensam, a Amazônia não é só deles, mas de todos
nós”.
Ex-ministro da Secretaria de Assuntos
Estratégicos, o almirante reformado Mario César Flores escreveu que,
com o aumento das preocupações ambientais e climáticas, “o insólito droit d’ingérence
citado pelo presidente Mitterrand, sem mencionar de forma clara a
hipótese militar, pode de fato vir a crescer como ameaça virtual, no
correr do século 21”.
O
norte-americano Al Gore (E), o russo Mikhail Gorbachev e o francês
François Mitterrand: três das diversas lideranças mundiais que já deram
declarações questionando a soberania absoluta do Brasil sobre a Amazônia
(Foto: U.S. Senate Committee on Environment and Public Works)
Estratégias definidas
Não é só paranoia de nacionalistas extremados,
ou jogo de cena dos que querem lucrar com uma escalada armamentista no
país. Pesquisa da revista Veja em parceria com a CNT/Sensus,
divulgada em 2008, mostrou que 82,6% dos militares acreditavam que a
Amazônia corre o risco de sofrer ocupação estrangeira.
Governador gaúcho, o ex-ministro da Justiça
Tarso Genro já declarou: “Há visões da comunidade internacional que
defendem a Amazônia como se ela fosse território da Humanidade e não
território brasileiro. Isso aí esconde interesses econômicos sobre a
Amazônia como reserva planetária para grandes multinacionais e para
controles territoriais de outros países sobre o Brasil”.
Defender a Amazônia é assunto prioritário na
Estratégia Nacional de Defesa, que prevê a ampliação e o
reposicionamento de tropas nas áreas de fronteira, além de melhorias no
monitoramento por satélite da região, feito pelo Sistema de Vigilância
da Amazônia (Sivam).
O brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista
Junior lembrou, em resposta à senadora Ana Amélia (PP-RS), que o Brasil é
um dos cinco países com melhor sistema de controle de tráfego. “Nós
implantamos os radares na área da Amazônia Legal, na década de 90, que
era a infraestrutura do Projeto Sivam, e com aquilo nós temos cobertura e
controle efetivo por radar em todo o território”.
O então chefe do Estado-Maior da Armada,
almirante de esquadra Luiz Umberto de Mendonça, explicou na CRE que a
Amazônia é um teatro de guerra terrestre e a Força Aérea “terá lá sua
força”, mas lembrou que, para chegar à região, o combustível terá que ir
pelo mar.
“A força naval terá como tarefa principal a
manutenção da integridade da calha principal e dos afluentes navegáveis
na Bacia Amazônica. Teremos que ter capacidade de executar controle de
área marítima móvel, que são os chamados comboios, para proteger navios
que se deslocam pela superfície para suportar a guerra na Amazônia”.
Para o general Aderico Mattioli, diretor do
Departamento de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa, é crucial
para o país a implantação dos 28 pelotões de fronteira previstos na END e
a concretização do Sistema de Monitoramento Integrado das Fronteiras
Terrestres (Sisfron), que pretende dar apoio muito forte nessa área.
“Atualmente, não vemos as fronteiras como
riscos; vemos as fronteiras muito mais como possibilidades de
integração, como fatores de integração e de cooperação [com os
vizinhos]. O nosso relacionamento está excelente”, ressaltou o general
Mattioli.
Fronteiras sob risco
A visão não é unânime. Na região amazônica, para
o general Luiz Eduardo Rocha Paiva, Roraima é a área alvo de “maior
ameaça” e, em menor escala, a foz do rio Amazonas. “Lembro que as
Guianas são uma cabeça de ponte da Otan, porque aqui é a França, a
ex-Holanda e a ex-Inglaterra”, alertou Rocha Paiva, mostrando em um mapa
a fronteira norte do país.
“Se não tivermos soberania plena sobre a
Amazônia, essa integração [continental] nunca vai ocorrer, porque ela
não é interesse de nenhuma potência rival. Então, precisamos manter a
soberania plena sobre a Amazônia porque ela é o ponto de união dessa
integração”, completou o general da reserva, para quem é inegável a
pressão internacional, materializada sob o discurso da proteção das
etnias indígenas e do patrimônio ecológico da região.
Para o almirante Mario Cesar Flores, diante da
necessidade de o país construir “um poder militar capaz de prover a ação
necessária à tranquilidade e segurança”, a Amazônia merece agora maior
atenção.
“Não se trata de ameaça de Estados vizinhos, que
para isso não há motivos nem condições — essas o atual instigante
armamentismo venezuelano pode vir a construir —, mas de ameaças
irregulares transfronteiriças e da possibilidade de que eventuais, ainda
que improváveis, conflitos entre eles perturbem a estabilidade e a
ordem na região”.
Ex-professor de Estratégia Nacional na UFRJ, Darc Antonio da Luz
Costa avalia que, fora do campo militar, a maior das ameaças que pesa
hoje sobre o Brasil é “a fragmentação de sua unidade nacional”, por
causa justamente do discurso de internacionalização da região.
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